segunda-feira, 17 de maio de 2010

Olhares na Virada

Todo ano é assim: eu vou na Virada Cultural, me divirto e aproveito. No outro dia, só saem nos jornais notícias ruins sobre a festa, como mortes, roubos, brigas. É, notícia ruim vende... e serve para as pessoas que não foram no evento por medo dizerem: “tá vendo? Por isso que eu não vou nesses lugares! Ainda bem que eu não fui!”. Bah...

Meu objetivo na Virada 2010 era ver os Temptations. Não me importa se não eram os originais. O que valia era ouvir soul, doo-wop, R&B, música dos anos 60... Mas o que não poderia esperar era vê-los tão de perto! O Luis sortudo sempre consegue os melhores lugares nos shows! E foi colada na grade que vi aqueles negros tão alinhados, de terno roxo e sapato de couro dançarem sincronizados, tipicamente como nos doces tempos em que a música era mais pura. Os dentes brancos, sempre à mostra, revelavam uma simpatia feliz e agradecida pelas presenças.

As vozes estavam perfeitamente afinadas. Fiquei encantada com o som grave que saía das cordas vocais daquele senhor, que parecia o mais velho de todos e tinha uma leveza incrível nos pés. Lembrei dos meus dois avôs... E de que ele também deve ter netos. Assim, como neta, olhei para os Temptations com orgulho por estarem no palco, como artistas, mostrando para minha linda São Paulo como o passado guarda músicas maravilhosas, como “Just my imagination” e “Get already”, sem falar de “My girl”. Mas essa todo mundo conhece.

Aliás, espanto foi ver a quantidade de pessoas que estavam ali para vê-los. Sim, era para vê-los, porque antes, no show do grande Booker T, não havia tanto tumulto. A música trilha sonora do filme “Meu primeiro amor” levou uma multidão a se acotovelar na frente do palco Boulevar São João. E foi justamente ela o ponto alto do show.

Da lateral direita, onde estava, conseguia ver a expressão das pessoas que estavam na grade, bem no meio. Eram nerds, senhoras, senhores, garotas, gays... todos com uma expressão de deslumbramento, cantando (ou tentando cantar) o que sabiam e batendo palmas. Sem dúvida, aquelas melodias eram familiares.

Como nem tudo são flores, a regulagem do som estava péssima. Nem todos os microfones funcionavam. Os artistas olhavam para a mesa de som, mas parecia que ninguém estava nem aí. Trocaram um microfone, mas ele continuou não funcionando. Um grupo como aquele, que tem na voz o principal encanto, ficou sempre com um tom faltando... O público gritava e reclamava. Os artistas ficavam no desespero. E a gente, com raiva e vergonha, se perguntava: por que ninguém faz nada?

Assim, o show se foi, naquela madrugada fria. Rapidamente o público se dispersou. Acho que correram para o palco do Living Colour. Eu ainda fiquei na fila do pastel e também tomei caldo de cana. Usei os banheiros químicos e vi as pessoas andando com suas bolsas térmicas a tiracolo. Cheias de cerveja, claro.

Também vi bêbados, milhares deles. Vi caixas de isopor caminharem pelas cabeças das pessoas e alguns pedirem silêncio depois de ouvirem “olha a água, cerveja, vinho” bem no meio de uma música introspectiva. Vi as ruas cheias de lixo e uma mulher guardando sua latinha vazia em um saquinho, evitando jogá-la no chão. Vi tribos sociais dos mais variados tipos: punks, emos, clubbers, roqueiros, sem entrar em conflito com ninguém. Cada um na sua turma. Rindo. Vi olhares perdidos de quem já tinha colocado química demais no seu corpo. E vi casais de senhores abraçados e crianças nos ombros curtindo a festa.

Ao olhar pro alto, sempre parava em uma atração especial: escalada no Shopping Light, acrobacias embaixo de um balão de gás e em um círculo de aros suspenso por um guindaste. Os insetos gigantes também estavam ali, embaixo do Viaduto do Chá. E, como no outro ano, vi os pernas-de-pau circulando pelas ruas. O Teatro Municipal estava fechado, mas iluminado que era uma beleza!

Aquela noite fria tinha seus perigos, mas tinha suas alegrias. Isso porque estava cheia de gente, nada mais comum do que gente. Milhares de cabeças, vidas e experiências. Não tenho dúvidas de que havia muito mais pessoas boas do que ruins, senão seria um campo de guerra (com mais de um morto) e não uma festa, como foi realmente.

Você, paulistano, de nascença ou não, que sabe amar e valorizar a sua cidade: parabéns! Aos que ainda não acordaram para isso, eu espero, sinceramente, que um dia caiam em si e saibam aproveitar com respeito o que a vida tem para nos oferecer de melhor: a alegria.