domingo, 3 de março de 2013

A lagartixa que queria mais que uma parede

Transparente e simpática como toda lagartixa, eu nasci ali, no banheiro do jovem casal recém-juntado. Os azulejos cor de creme foram como berço para mim, eram tantos, por todos os lados. Eu achava que aquilo era o mundo todo. Eu tinha água à vontade que sobrava no chão do box e na pia, e a comida era das melhores: mosquitinhos de banheiro! Eu adoro. Eles não gostam de tomar banho, mas são uma delícia!

Aos poucos, fui percebendo que o mundo era maior do que aquele quadrado e acabei descobrindo uma área muito maior e interessante, além disso, poderia sempre voltar para o meu local de nascimento. Não tenho medo do desconhecido.

Foi então que descobri que estava em uma suíte desocupada. O casal reservou aquela área para hóspedes, mas não costumavam receber ninguém, e o quarto abrigou muita mobília que não cabia em outro lugar. Um ótimo local para morar! E fiz a mudança, mesmo sem ter nada para carregar.

As tábuas que sobraram da montagem dos móveis do casal foram jogadas lá e acumulavam aranhas, mosquitinhos e outros bichos: banquetes para mim! Muito melhor que os mosquitinhos de antes!

Minha nova cama era atrás dos instrumentos musicais do dono da casa. Vários cases de violões e guitarras, mais as mochilas de acessórios, faziam uma sombra maravilhosa para uma boa soneca ou para armar um bom bote.

Quando alguém acendia a luz ou mexia nos móveis, eu corria para trás das tábuas, mas nunca me senti ameaçada. Acho que aquelas histórias de terror que minhas amigas contavam sobre adultos nojentos e assassinos eram tudo invenção. Como alguém pode fazer mal para a gente? Somos são boazinhas e lindas... só atacamos bichinhos pequenos para comer.

A dona da pensão – é assim que eu me sentia na casa dela – conversava comigo de vez em quando, pelo menos eu acho que é isso que ela fazia, emitindo uns sons esquisitos que saiam de um buraco que ficava na parte de cima de seu corpo. Ela sempre olhava para mim, fazia uns barulhos e me deixava lá. Acho que queria saber se o serviço de quarto estava ok. Para mim estava sempre ótimo.

Quanto ao dono da casa, eu o vi algumas vezes, mas ele nem ligou para mim, acho que é daquele tipo distraído. Melhor assim, não precisei dedicar atenção e nem me preocupar com ele.

De vez em quando eu acompanhava a dona de casa no banho, o vapor me fazia bem, sentia-me em uma sauna! Só era preciso tomar cuidado para não ficar muito úmida e cair no cabelo dela, acho que ela morria de medo disso!

Eu gostava de minha casa, mas continuava crescendo, e meus olhos enxergavam cada vez mais longe. Minhas amigas preferiam a segurança do lar, mas eu sempre quis ver o mundo. Um dia, deixaram um pedaço de papel colorido aqui no meu quarto, em cima da mesa. Eu fiquei olhando para a imagem de uma menina de vestido vermelho com um bichinho azul peludo na mão. O que seria aquilo? Outra vez, minha amiga humana começou a tocar teclado. Isso eu sei o que é, afinal, estava no meu quarto! Eu adorei o som que saia daquilo. Eu queria ouvir mais. A qualquer hora.

Foi assim que descobri que o mundo é muito maior do que aquela suíte. Eu imaginava que havia muitas coisas legais fora desse canto. Mesmo que os donos da pensão trouxessem novidades de vez em quando, eu queria saber mais por conta própria.

E aí decidi deixar meu ninho, minha segurança, meus amigos humanos. Não vai ser fácil abandonar onde nasci, me criei, onde a comida era farta e não havia perigos. Mas eu preciso de mais, quero aprender mais.

Assim, estou me despedindo, não levarei nada (o que eu tenho?), apenas as lembranças da boa experiência que adquiri. Medo? Claro que sinto, mas ele não vai paralisar minhas patinhas. Pensei em deixar um bilhete para o casal, mas me lembrei de que não falo a língua humana, e tampouco sei escrever. Aliás, isso seria uma boa coisa para aprender quando sair daqui. Quem sabe não exista uma escola para lagartixas? Vai ser a primeira coisa que vou procurar...