segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Nosso amigo Paul

Parecia um parente de tão próximo. Não só porque suas músicas estão constantemente em nossas mentes, marcando momentos ou simplesmente nos divertindo. Mas também pela postura no palco. É como se fosse um amigo íntimo muito talentoso e atencioso que se apresenta na sala de visitas onde cabem 50 mil pessoas. Foi assim que conheci Paul McCartney em seu show em Porto Alegre. Muito, muito prazer.

Tudo começou com a ideia de aproveitar a oportunidade de poder ver, mais de uma vez, um show deste ser lendário que está em plenos 68 anos de vida. Você já pensou ver o show de um beatle? Da banda mais influente do mundo? Da melhor banda que já existiu? Na sua cabeça começa a passar as imagens dos quatro correndo nas ruas ao som de “A hard days night”, no início do filme; trechos de músicas gravadas em estúdio, com os fones nos ouvidos, como em “You´re gonna lose that girl” e “Hey Bulldog”; “One after 909” no telhado... e muitas outras. Você pensa em como a banda é fantástica e que você está vendo um de seus integrantes vivo, muito vivo, cantando sucessos daquele tempo em que muitos fãs nem sonhavam em nascer...

Porto Alegre cheirava a rock. Primeiro as faixas saudando o artista desde a saída do aeroporto! Na minha volta pelo centro da cidade, encontrei lojas com muitos CDs de rockers dos anos 50, minha paixão. Em uma delas, ao som de Creedence, eu pude ver pela TV na vitrine Ed Sullivan em seus programas em preto & branco ainda, que recebiam artistas como meu ídolo Elvis Presley.

No mercado, onde fui comprar o almoço, a banda de new-rockabilly Stray Cats tocava nos alto-falantes. Que vontade de dançar... saindo de lá, encontro um vendedor de jornais com o Zero Hora especial sobre a vinda do ex-beatle para a capital do Rio Grande do Sul.

Cheguei ao quarto impressionada. Foi como me disseram. Porto Alegre estava no clima e respirava Paul McCartney. Isso sem contar que no sábado à noite, enquanto jantávamos em um restaurante de massas, a sobrinha do dono do estabelecimento entrou gritando que tinha pegado na mão do Paul!

Nas ruas, milhares de modelos diferentes de camisetas. No Shopping perto do Beira Rio era um desfile de itens que lembravam os Beatles. Cada um queria ter a mais bonita e original vestimenta. Taí o clima família de novo. Todo mundo “uniformizado”, que se juntaria mais tarde em uma grande festa dada pelo Paul, sem imaginar que emoções poderia sentir.

Do hotel onde meu namorado e eu ficamos hospedados ao Beira Rio dava 4 quilômetros. Fomos a pé, curtindo o sol, a bela cidade, os parques e as paisagens do caminho.

Por volta das 17 horas, a multidão já era grande se dirigindo para o estádio. Senhoras com almofadas nas mãos e muita gente com bebidas à tira colo seguiam a “Long And Winding Road” que parecia não ter fim.

O calor era demais. Vendedores de camisetas, bebidas, faixas, almofadas e bonés do Inter faturaram alto. Embaixo de guarda-chuvas ou caixas de papelão abertas estavam os fãs que há dias acamparam na frente dos portões. E derretiam naquele sol, mas sem expressão de sofrimento. Na verdade, era um orgulho estar ali.

Onde terminavam as filas era coisa impossível de saber. Um caracol desorganizado. Pessoas deitadas, sentadas, de pé. Cansadas e ansiosas. Silêncio!! O Paul tá cantando!! Tá nada, deve ser CD. Mas era ele, passando o som lá dentro do estádio. Quem pagou 1.450 dólares pôde curtir esse momento, pertinho do ídolo. A nós, lá fora, esperando para sentar nas cadeiras não numeradas, restava ficarmos quietos e tentar adivinhar o que ele estava cantando. E a galera vibrava do lado de lá e do lado de cá do estádio. Pelo menos até o momento em que começaram a gritar do lado de fora do estádio “abre, abre, abre” às 17h30 em ponto!

Meu passatempo foi olhar as camisetas das pessoas. Muitas usaram do Inter, homenagem justa ao time que cedeu a sala de visitas para o encontro. Uma que não gostei estava escrito: “McCartney > Lennon / Beatles = Paul + 3”. Achei uma injustiça com os outros membros. Principalmente porque John é o meu favorito...

Nosso lugar era entrando pelo Portão 15. Lá de longe, na muvuca, vimos o pessoal subindo a rampa comemorando a vitória. Parecia que iam subir ao céu e encontrar um deus. Lá de baixo, achávamos que a fila estava enorme. Mas nem tinha fila para este setor. Era só subir.

Assim como lá fora, dentro do estádio havia lojinhas oficiais com camisetas muito lindas da turnê, além de chaveiros, fotos, credencial, bottons... tudo com precinho bem britânico. E aceitavam cartão. Tinha, também, as mais baratas, made in Brazil, só do lado de fora do estádio, claro.

Na hora da bagunça, da fila, do aperto, você não se concentra no que vai ver. Não dá tempo de imaginar o que o Paul vai fazer, vai cantar, vai dizer. Você quer é entrar rápido, fazer xixi logo, escolher o melhor lugar do estádio, comprar um lanche e beber alguma coisa, mesmo que custe os olhos da cara e que a fila seja interminável. Só na do banheiro feminino eu contei mais de 60 mulheres esperando... Preparação cumprida, você se senta no sofá de casa, pronto para ver o que você nem sabe o que vai te causar. Eletrizante.

Acomodados e bem alimentados, bem de frente ao palco, mas passando pelo campo todo, lá nas cadeiras, Daniel e eu esperamos o Paul aparecer contando os minutos. Enquanto esperavam, as pessoas inventavam algo pra se distrair. O som ambiente estava um pouco baixo. Nós brincamos de adivinhar as músicas remixadas dos Beatles e do Paul que tocavam com batida eletrônica. Algumas pessoas tiravam fotos, conversavam, tentavam acessar a internet...

Em certo momento, começaram as olas. Estádio de futebol sem ola não é estádio! Os anéis superior e inferior, do começo ao fim, faziam olas de dar gosto, com direito a grito na hora de levantar e palmas no final, pedindo mais. Tudo era diversão naquele momento. Quer alegria maior? Era um alívio já estar dentro do Beira Rio, só esperando o ídolo aparecer.

Talvez cansado de esperar, um fã resolveu colocar um pouco mais de emoção em seu domingo. Levantou uma bandeira do Grêmio na casa do arqui-inimigo Inter. Mereceu as vais e os gritos: “Ão, ão, ão, segunda divisão”. Não havia violência, só brincadeira. Mas o engraçadinho levou uma bela bronca do segurança...

Nas arquibancadas, se via jovens, mais jovens ainda e aqueles que viveram o auge dos Beatles. “Ele foi meu primeiro amor”, disse uma mulher mostrando pra amiga, com orgulho, a foto do Paul que acabara de comprar na lojinha.

Bom, 21h. Hora de começar. Com apenas 10 minutos de atraso, o gentleman entrou no palco, lindo, de calças pretas, blazer roxo, camisa branca, suspensórios pretos e muita simpatia. Seu uniforme.

De onde estávamos, Paul tinha menos de meio centímetro, mas, nos telões, a imagem era incrível. Uma definição perfeita! De lá de cima, não víamos só o Paul, mas o estádio inteiro, todos os setores. Uma energia contagiante. Só dava para gritar, balançar os braços e cantar. É o Paul!! O Paul está aqui!!

E, como nosso amigo de longa data, nos saudou com um “Boa noite, tudo bem?”. Assim mesmo, em português. “Vou falar em português”. E apresentou as músicas: “essa eu escrevi para minha gatinha, Linda. E agora dedico para os namorados”, era “My Love”. E eu abracei o meu amor, com algumas lágrimas... Paul também disse: “essa eu escrevi para o meu amigo John”, e mandou “Here Today”.

Um dos momentos de êxtase para mim foi com “Something”. Como eu nunca tinha visto um show do beatle, não sabia das “regrinhas”, ou seja, o que acontecia sempre. Ele começou a homenagem ao George tocando ukulele, num ritmo bem havaiano. No momento do solo, a melhor parte da música, entra a banda toda, e o guitarrista inunda o ar com aqueles acordes maravilhosos.

Eu olhava para aquele céu azul escuro, sentia o vento refrescante daquela noite de verão tão gostosa ao lado do meu amor, ouvindo um ídolo, um mito, um herói. Eu estava completa. Não cabiam nos meus olhos, nem no meu coração, toda aquela sensação de “agora eu morreria feliz”. Na cara, o mesmo sorriso bobo durante todo o show. Às vezes, o grito por uma canção favorita, as lágrimas e os olhos fechados para sentir melhor...

As pessoas gritavam, cantavam, pulavam, dançavam e acenderam isqueiros em “Let it Be”... o Paul cantava para nós... falando a nossa língua, brincando com as expressões típicas gaúchas: “trilegal”, “báh, chê!”

Quando acabava a música, Paul agradecia. E meu namorado dizia: “Thank you”. Nós é que devemos agradecer por ele ter trazido sua história e sua música maravilhosa pra nossa noite, pra nossa vida. Aquilo seria eterno para 50 mil pessoas, pelo menos.

E era só o ídolo ficar quieto, entre uma música e outra, para o estádio inteiro começar a bater palmas e gritar no ritmo delas “Paul, Paul, Paul”... e ele adorava isso. Pedia mais!

Outro ápice da noite foi com “Live and let die”. Eu não sabia o que me aguardava. Estava ali, já estarrecida na presença do Paul e daquele mundo de fãs quando o palco se encheu de focos de fogo saindo do chão, e, de cima do palco, correram fogos dourados estourando no ritmo da música. O telão do fundo do palco mostrava cenas de explosões, parecia que tudo estava mesmo explodindo. Era a metáfora do que aquela noite significava para nós. Eu não sabia para onde olhar. Não piscava, queria absorver toda aquela luz, aquele calor, aquela alegria!!

Quando acabaram os rojões, Paul fez “não” com os dedos e a cabeça, colocando as mãos nos ouvidos e, em seguida, no coração, como se dissesse: “isso é muito barulho para mim, meu coração não aguenta”. Ele sabia que estávamos em êxtase e que era um dos pontos altos do show.

Toda hora, Macca fazia um arco com os braços na lateral e unia as pontas no dedos no meio da cabeça, simbolizando um coração. Como não amar alguém assim? Simpático, carinhoso, talentoso, iluminado, com o poder de contaminar 50 mil pessoas com felicidade plena?

A última da noite: "The End". Perfeita! "Oh yeah. Alright. Are you gonna be in my dreams Tonight?" - eu gritei feito uma louca. Depois veio o solo de bateria, que me deixa petrificada sempre que ouço (inclusive com a belíssima interpretação da banda cover ZoomBeatles, que vejo todo mês em SP), e os solos das guitarras. Sou apaixonada por essa música. Aí começa o pianinho, bem tranquilo: "and in the end, the love you take is equal to the love... (entra a bateria e a guitarra) you make... ah, ah...". Sem palavras, mas muitos gritos.

No final, uma chuva de papéis picados partiu do chão próximo ao palco e seguiu voando até passar por cima do estádio. Fiquei louca atrás de alguns deles. E acabaram chegando até mim, apesar da distância. Consegui um verdinho e um amarelo. Brasil recebendo Paul. Que momento!

O melhor show da minha vida. Não levei câmera, mas está tudo aqui, dentro de mim, me deixando, ainda, a sensação de bem-estar, de prazer completo, apesar dos 4 quilômetros a pé na volta, a noite pouco dormida e a viagem de avião para São Paulo. De volta ao lar.

E sabe o que é o melhor de tudo isso?
Eu vou ver de novo! E, desta vez, na pista prime, pertinho do Paul.
Só posso fazer reverências a você, Sir.
Até o dia 21/11.

Ah! Muito, muito prazer em lhe conhecer!

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Quando o carrasco de você é você mesmo

Hoje em dia, não é preciso que alguém te difame, você mesmo é capaz de fazer isso, e muitas vezes sem saber a dimensão que a situação pode alcançar.

Saudades dos tempos em que os diários eram de papel... Você o fechava com um cadeado e no máximo alguém xereta conseguia abrir e contava pra escola inteira. Hoje, com os diários virtuais, o mundo é o limite... uma bobagem que se solte, um desabafo impensado jogado ao vento e pronto, alguém lá no Sri Lanka pode ler, ouvir, entender e te julgar!

As pessoas escrevem sem pensar e colocam em risco a sua própria integridade. Foi o que aconteceu com Mayara Petruso, estagiária e estudante de direito que foi despedida por comentários preconceituosos sobre nordestinos em seu twitter.

O nome dela foi até parar no site “Macumba online”, com gente desejando que ela pegue lepra. Não sei o que é pior, preconceito ou “tacar pedra”. É tão fácil apedrejar alguém, mais difícil do que desejar que a pessoa reveja sua atitude seriamente. É a lei do castigo. Se ela funcionasse, os presos saíam santos da prisão...

Isso me lembrou um episódio do Chaves, aquele em que o Sr. Furtado rouba vários objetos dos moradores da vila e eles pensam que foi o Chaves. Quando o verdadeiro ladrão ouve o menino pobre dizer que não desejava que o criminoso fosse preso, mas que se arrependesse e devolvesse o que roubou, ele se sensibilizou com a pureza da criança e devolveu. Utopia? Eu prefiro ensinar pelo lado do bem, mas tem gente que gosta de ensinar pelo lado do mal: castigo, “pagar na mesma moeda”, pena de morte... etc.

Sei que isso passa pela cabeça de todo mundo em momentos de revolta, mas não acredito que alguém queira ser culpado de alguma morte, apedrejamento, ou acidente, como se isso fosse metodologia de ensino.

Voltando ao caso... imagine o nome da Mayara rodando pela net, os amigos comentando, o namorando recebendo emails com piadas a respeito. Meu deus, que vergonha alheia!

As pessoas acreditam que liberdade de expressão é isso. Poder dizer o que quer, onde quiser, quem não gostou que se lixe. Mas quando o feitiço vira contra o feiticeiro e a vítima de sua difamação é você próprio, não há a quem culpar.

É certo que existe muita hipocrisia. Todo mundo quer se passar de politicamente correto. Quero ver quem joga a primeira pedra. Mas aprendemos desde pequenos a reprimir os sentimentos ruins e só expressar coisas boas: amor, respeito, solidariedade. Violência, preconceito e injustiça é coisa de gente ruim!

E já dizia o velho ditado: “boca fechada não entra mosquito”. Você pode sentir todos esses sentimentos ruins. É humano. Todo mundo sente às vezes, mesmo inconscientemente. Mas, é preciso pensar se eles têm fundamento ou cabem em qualquer sociedade que exija uma boa convivência entre as pessoas. Ou ter, no mínimo, alguma empatia (você gostaria de ser discriminado??). E boca fechada nas redes sociais. Quer expressar os pensamentos mais polêmicos?? Volte ao velho diário de papel. Pelo menos, você manterá o seu emprego...

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Olhares na Virada

Todo ano é assim: eu vou na Virada Cultural, me divirto e aproveito. No outro dia, só saem nos jornais notícias ruins sobre a festa, como mortes, roubos, brigas. É, notícia ruim vende... e serve para as pessoas que não foram no evento por medo dizerem: “tá vendo? Por isso que eu não vou nesses lugares! Ainda bem que eu não fui!”. Bah...

Meu objetivo na Virada 2010 era ver os Temptations. Não me importa se não eram os originais. O que valia era ouvir soul, doo-wop, R&B, música dos anos 60... Mas o que não poderia esperar era vê-los tão de perto! O Luis sortudo sempre consegue os melhores lugares nos shows! E foi colada na grade que vi aqueles negros tão alinhados, de terno roxo e sapato de couro dançarem sincronizados, tipicamente como nos doces tempos em que a música era mais pura. Os dentes brancos, sempre à mostra, revelavam uma simpatia feliz e agradecida pelas presenças.

As vozes estavam perfeitamente afinadas. Fiquei encantada com o som grave que saía das cordas vocais daquele senhor, que parecia o mais velho de todos e tinha uma leveza incrível nos pés. Lembrei dos meus dois avôs... E de que ele também deve ter netos. Assim, como neta, olhei para os Temptations com orgulho por estarem no palco, como artistas, mostrando para minha linda São Paulo como o passado guarda músicas maravilhosas, como “Just my imagination” e “Get already”, sem falar de “My girl”. Mas essa todo mundo conhece.

Aliás, espanto foi ver a quantidade de pessoas que estavam ali para vê-los. Sim, era para vê-los, porque antes, no show do grande Booker T, não havia tanto tumulto. A música trilha sonora do filme “Meu primeiro amor” levou uma multidão a se acotovelar na frente do palco Boulevar São João. E foi justamente ela o ponto alto do show.

Da lateral direita, onde estava, conseguia ver a expressão das pessoas que estavam na grade, bem no meio. Eram nerds, senhoras, senhores, garotas, gays... todos com uma expressão de deslumbramento, cantando (ou tentando cantar) o que sabiam e batendo palmas. Sem dúvida, aquelas melodias eram familiares.

Como nem tudo são flores, a regulagem do som estava péssima. Nem todos os microfones funcionavam. Os artistas olhavam para a mesa de som, mas parecia que ninguém estava nem aí. Trocaram um microfone, mas ele continuou não funcionando. Um grupo como aquele, que tem na voz o principal encanto, ficou sempre com um tom faltando... O público gritava e reclamava. Os artistas ficavam no desespero. E a gente, com raiva e vergonha, se perguntava: por que ninguém faz nada?

Assim, o show se foi, naquela madrugada fria. Rapidamente o público se dispersou. Acho que correram para o palco do Living Colour. Eu ainda fiquei na fila do pastel e também tomei caldo de cana. Usei os banheiros químicos e vi as pessoas andando com suas bolsas térmicas a tiracolo. Cheias de cerveja, claro.

Também vi bêbados, milhares deles. Vi caixas de isopor caminharem pelas cabeças das pessoas e alguns pedirem silêncio depois de ouvirem “olha a água, cerveja, vinho” bem no meio de uma música introspectiva. Vi as ruas cheias de lixo e uma mulher guardando sua latinha vazia em um saquinho, evitando jogá-la no chão. Vi tribos sociais dos mais variados tipos: punks, emos, clubbers, roqueiros, sem entrar em conflito com ninguém. Cada um na sua turma. Rindo. Vi olhares perdidos de quem já tinha colocado química demais no seu corpo. E vi casais de senhores abraçados e crianças nos ombros curtindo a festa.

Ao olhar pro alto, sempre parava em uma atração especial: escalada no Shopping Light, acrobacias embaixo de um balão de gás e em um círculo de aros suspenso por um guindaste. Os insetos gigantes também estavam ali, embaixo do Viaduto do Chá. E, como no outro ano, vi os pernas-de-pau circulando pelas ruas. O Teatro Municipal estava fechado, mas iluminado que era uma beleza!

Aquela noite fria tinha seus perigos, mas tinha suas alegrias. Isso porque estava cheia de gente, nada mais comum do que gente. Milhares de cabeças, vidas e experiências. Não tenho dúvidas de que havia muito mais pessoas boas do que ruins, senão seria um campo de guerra (com mais de um morto) e não uma festa, como foi realmente.

Você, paulistano, de nascença ou não, que sabe amar e valorizar a sua cidade: parabéns! Aos que ainda não acordaram para isso, eu espero, sinceramente, que um dia caiam em si e saibam aproveitar com respeito o que a vida tem para nos oferecer de melhor: a alegria.

terça-feira, 9 de março de 2010

Jornalista pagando mico

Um belo dia, sambando no Sesc Pompeia, um caça-talentos de uma produtora gostou do meu jeito de dançar e me perguntou se eu tinha interesse em fazer figuração. Ah, o sorriso da vaidade brilhou em mim! Quem não quer de ser elogiado? Disse que gostaria, sim. Então ele tirou algumas fotos e pegou meu telefone.

Em outro belo dia, depois de uns dois meses desse encontro, o cara me liga, perguntando se eu sabia acompanhar uma coreografia para uma propaganda. O cachê era bom! É claro que aceitei e fui fazer o teste.

Lá, moças bonitas, sem uma espinha na cara, com os cabelos impecáveis (que cabelos, meu deus!) aguardavam para fazer o teste. Todas magras, bem cuidadas, vindas de agências. Uma estava preocupada com a coreografia. Será que daria conta? Já tinha feito dança contemporânea. Outra disse que estudou clássico por seis anos, mas fazia tempo. A moça do lado sabia a do ventre e já tinha feito outros tipos. A da frente era professora de dança. E eu?? Ah, eu sabia sambar... e aprendi sozinha, viu?

Lá, descobri que as candidatas seriam maquiadas, vestiriam uma roupa de empregada doméstica e dançariam com uma bandeja na mão. Na sala de espera, estava me divertindo com a situação, apesar de me achar um peixe fora d´água... quase desisti, depois de duas horas de espera.

Quando me chamaram, primeiro vesti a roupa: um vestido preto reto, de botões na frente. Por cima, uma saia bem rodada, recheada de tule. E, ainda, meia-calça preta, sapato social, uma flor vermelha na lapela e luvas de renda. Meus cabelos curtos ganharam um penteado retrô, com ondas feitas com muito laquê. O maquiador disfarçou minhas olheiras com maquiagem e pintou meus lábios com um batom muito vermelho. Pronto! Eu estava uma empregada. Estilizada, claro.

Agora foi a pior parte: a coreografia. Conta tempo, marcha, sorri, dança, se solta, mexe os ombros... me senti uma ridícula... Não pela profissão, claro, admiro quem tem talento para atuar e representar. Mas, eu, na minha essência, são sou atriz, nem bailarina. Socorro! Me deem um bloco de papel e uma caneta!! Mostrar um sorriso fingido, rebolar e representar um personagem foi muito para mim.

Claro que ficou na cara que eu não tinha nada a ver com aquilo. O coreógrafo perguntou se eu estava nervosa! Imagine! Pediu mais leveza, mais charme. “Olha pra câmera! Aqui!”, “Não fica de costas!”, “Sorria!”. Não deu... na apresentação individual da coreografia, fui mal... nem me deixaram terminar! “Tá bom, obrigada. Próxima!” Eu rio, porque não estudei para a coisa, mas eu queria, pelo menos, ter me dado bem, mesmo que não fosse escolhida!

Agora, com a boca toda vermelha ainda, o cabelo duro de laquê, escrevendo este texto, eu me pergunto: o que eu fui fazer lá? E a resposta é: fui viver uma experiência nova que agora divido com os leitores do meu blog. Uma jornalista na pele de uma atriz pagando mico.

E, para não fugir da profissão tão perguntadeira e observadora que tenho, enquanto estava me produzindo, descobri que maquiador ganha mal, que figurinista fica até acabarem os testes e vida de artista não é fácil, não... me chamem quando for pra sambar, tá?

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Hoje é dia do riso chorar

Na tevê eu via aquele povo animado nos carnavais de rua no Rio de Janeiro, São Paulo e Salvador. Aquele calor – humano e solar – e a muvuca toda não me faziam ter a menor vontade de estar nesses lugares. Mas eu sentia que precisava de um pouco de emoção nesse carnaval. Como eu, brasileira nata e com samba no pé, posso passar a data em branco? Eu não estava feliz.

Assim, na terça-feira de carnaval, apesar da minha pressão estar 8 por 6, quis ir ao Sesc Pompeia me jogar na farra. Claro que não tinha um milhão e meio de pessoas, como no galo da Madrugada, em Recife – ainda bem. Mas o povo lotou a rua central do Sesc, feita de paralelepípedos e – a essa hora – de confetes. Os galpões que a ladeiam foram unidos por varais com camisas, lençóis, blusas e saias presos com pregadores coloridos.

O pequeno carro de som levava dois músicos, deixando a banda a pé caminhando atrás. E a galera toda seguindo. Da entrada do Sesc descia o bloco pela rua até entrar no galpão perto da entrada da piscina. Lá dentro, o samba corria solto, até o tema da Globeleza tocou. Fora as clássicas: “Trem das Onze”, “Samba do Arnesto”, “Atrás da verde e rosa só não vai quem já morreu”... também teve “explode coração, na maior felicidade, é lindo o meu salgueiro, contagiando e sacudindo essa cidade”. Mas uma das melhores foi a da Gal: “o que será do amanhã, descubra quem puder, o que irá me acontecer, o meu destino será como deus quiser”. Fogão, cama de madeira e outra dobrável voavam no céu do galpão, amarradas no teto. Nos cantos, ventiladores soltavam água para refrescar a galera. Como o som não era muito alto, além de “em movimento”, por vezes só se ouvia o povo cantando. E na subida pela rua, jatos de água molhavam a turma já toda suada de tanta alegria!

A família típica paulistana estava lá. Sentada nos ombros do pai, a menina de vestidinho florido enchia as mãos de confete que o vô colocava à sua altura e jogava pro alto. O garoto vestido de superman estava bem à vontade, de fralda, poderia se aliviar onde quisesse. Taí uma boa ideia para o carnaval de rua! Todos de fralda!

Quem não tinha fantasia, se enfeitou com boina de lantejoulas, chapéu colorido, faixas, lenços, maquiagem, orelhinhas e vestidos coloridos! Uma senhora, com uma roupa de lantejoulas prateadas, meia arrastão preta e trança grande nos cabelos repletos de presilhas era uma das mais animadas.

Uma turma de garotos se alojou na frente de um dos galpões para ver “a banda passar”. Munidos de uma geladeira térmica cheia de cerveja, não sofreram tanto pelo sol. Ainda mais com o mercado Sonda bem em frente. Era só atravessar a rua para abastecer a geladeirinha!

Um carrinho de sorvete também colaborava para matar o calor! Para ajudar na alegria, funcionários do Sesc distribuíram serpentinas. E eu descobri que não tenho força – nem jeito – para jogá-las... ainda bem que sambar eu sei!

E a minha pressão baixa?? Bom, uma hora achei que o ar faltou e que eu iria cair... mas a alegria de um carnaval bem pulado e com qualidade me manteve em pé. E eu sambei de volta até lá em cima, para já ir embora, com a certeza de ter aproveitado pelo menos um pouco do “maior show da terra... serááááááá que eu serei o dono dessa festa, o rei! No meio de uma gente tão modesta. Eu vim descendo a serra, cheio de euforia para desfilar. O mundo inteiro espera, hoje é dia do riso chorar!”.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Colação, censura e diploma


Colação de grau, dia de festa. Finalmente, o diploma. Se bem que agora não é mais obrigatório... mas a emoção é a mesma. Foram 4 anos de estudos, provas, trabalhos e o pior dos monstros: o TCC.

Quando tudo parecia que terminaria bem, de acordo com o protocolo de solenidade da colação de grau, um burburinho, um papel e uma caneta anunciavam que algo sairia dos planos.

Com a vontade de mostrar a indignação contra a não-obrigatoriedade do diploma para jornalistas, alunos do curso começaram a escrever um curto protesto, que seria lido na ocasião, não se sabe por quem nem como.

A princípio seria depois da homenagem aos pais, aproveitando o microfone para o discurso da turma. Ainda bem que não deu. Cortaria o momento carinhoso e familiar.

Então, no meio da cerimônia, alunos tentaram conseguir uma brecha para dar a sua palavra falando com autoridades na mesa solene, afinal, ao contrário do que disse o coordenador, não fomos comunicados de nada sobre a nossa colação, apesar de um e-mail enviado à professora responsável pelo curso.

Um desencontro de informação fez a turma de jornalismo se passar por desinteressada.

Depois da resposta: “sinto muito, não vou quebrar o protocolo”, a emoção da turma mudou. E agora?

Foi quando uma aluna de jornalismo acabou sendo chamada para fazer o juramento. Era o momento ideal. Com o papel na mão, foi ao púlpito, leu o juramento e emendou o protesto. O mestre de cerimônias quis impedir, quase arrancando o papel de sua mão. Mas ela continuou no microfone. A desobediência fez o mestre de cerimônias quase surtar, e ele pediu, então, para desligarem o microfone.

Sem som acústico, a aluna saiu do púlpito e gritou a última frase do protesto contra a lei que acaba com o diploma obrigatório para jornalistas. E a turma toda aplaudiu de pé, aos gritos de “fora a censura”, recebendo o apoio dos formandos de outros cursos de comunicação.

“Não precisava ter sido assim”, disse uma professora. “Não foi o momento correto”, disse outra. “Eu adorei e aplaudi muito, foi o momento de vocês”, disse, ainda, outra.

Acredito que a faculdade apoiaria o protesto, mas sair do “protocolo” em cima dá hora deu medo demais. Fugir do quadrado não pode. Pouco importou o que a gente queria dizer. O pior foi mudar o ritmo planejado da cerimônia.

Aliás, uma formanda surda pôde quebrar o protocolo agradecendo e entregando flores à vontade no final do evento.

Nós que ouvimos, enxergamos e falamos fomos censurados. Aliás, a turma sempre foi vista com maus olhos, mesmo havendo muitas notas 10 em TCCs. A gente falava demais. E nunca éramos ouvidos.

E assim, a festa de colação terminou. Diferente do protocolo. E um tanto polêmica. Vai ficar na memória. Tinha que ser turma de jornalismo!
 

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Parabéns, São Paulo!

São Paulo é a pauliceia desvairada de Mário de Andrade. É o avesso do avesso do avesso do avesso de Caetano Veloso. Como canta o Ira, eu envelheço na cidade. Envelheço há quase 30 anos em São Paulo. Ê, cidade.

Já vi tantas coisas em suas ruas. Na Paulista eu andei. As luzes de Natal eu vi! E neste bairro tão periferia onde moro, quantas esquinas eu dobrei. Pra ir e voltar da escola. Pra socorrer correndo a minha avó. Pra estudar espanhol no centrinho da Brasilândia. Pra dar uns beijos no namorado da rua de trás...

Nas madrugadas afora, com a alegria pra fora e a responsabilidade de chegar viva em casa, dancei em suas casas noturnas. Conheci gente. Quanta gente. No sambódromo eu já sambei. Na arquibancada e na avenida. Braços abertos, cabeça pra cima. Riso e canto. Samba no pé. Nasci com ele. Neta de mulata e português. Sou filha dessa terra.

Tantos carros eu dirigi em suas tantas ruas. Nenhum deles era meu. Em tantos ônibus e metrôs passei horas da minha vida. Foi quando pude aprender mais com as leituras pra correr o tempo e conhecer tantos tipos que te compõe. Altos, magros, cabeludos, carecas, roqueiros, gordos, pequenos, engraçados, banguelos.

Em seus parques caminhei e vi muitos shows. Roberto Carlos, Rita Lee, J. Quest... Nas casas de show também paguei o preço por estar na metrópole. Vi Jerry Lee Lewis e Beach Boys. Em seus bares curti muita música de qualidade. Vi coveres de artistas: Elvis, Beatles, Pink Floyd... Mas não há coveres de você, São Paulo.

Onde se junta tanta coisa pra fazer? Tanta gente? Tantos mundos em um único lugar? Vejo as caixas de concreto nascerem no lugar das árvores e os barracos pendurados nos morros. Nem o que sai de dentro de nós quer ficar longe. Nas marginais do rio, o cheiro tira a fome de qualquer um.

Fome essa que se assassina em botecos, restaurantes, bares, pizzarias, lanchonetes. E no Terraço Itália. Um dia eu vou lá. Também vou pular de paraquedas e ver você, São Paulo, lá de cima. E ter certeza do meu amor. Porque amor, sim, rima com dor.

Dor que sinto por ser tão judiada e mal cuidada. Será verdade que quem ama cuida? Eu cuido. E vou rezar para seus filhos honrarem você, nossa mãe, nosso abrigo, inclusive nas enchentes, se minha rua não alagar. Você não é culpada de nada. E culpada de tudo. Porque não é uma terceira pessoa. É a primeira pessoa. É o “eu” de cada paulistano. De cada um que vive aqui.

Se São Paulo é o que vejo e sinto, é por culpa de cada um de nós. Felicidade, tristeza, pobreza, satisfação, sujeira, trabalho. Tudo isso é São Paulo. Tudo isso somos nós: uma família de mais de 41 milhões de habitantes.

Parabéns!