sexta-feira, 17 de maio de 2013

Há duas décadas...



Eu versão 2013 me encontrei comigo versão 1993. Vinte anos nos separam. Olhei para aqueles cabelos emaranhados, presos num rabo de cavalo desleixado, e pensei em como não deveria ser importante cuidar deles, apesar do tempo livre que eu tinha. Tá certo que eu fazia banho de creme com touca térmica (coisa antiga...) de vez em quando. Mas só. Não era prioridade.

Olhei para aqueles óculos de armação oval, com os aros de plástico, comuns para adolescentes da época. Aquele rosto de menina, as espinhas (ainda hoje aparecem!). Não era popular, os meninos me viam como um deles, tanto que eu era a única que deixavam olhar as revista de mulher pelada que levavam para a escola (??).

Naquela época, eu era fã de futebol, ia à aula de Educação Física dos garotos da minha turma de manhã e me deixavam jogar com eles. Como café com leite, claro. Também gostava de criar palavras cruzadas sobre jogadores para que adivinhassem... eu adorava, eles me davam atenção.

Reparei, então – como se pudesse esquecer – que eu era magra demais, parecia um cabide. Minha mãe dizia que tudo ficava bonito em mim. Hoje, com alguns quilos a mais, e sempre aumentando, vejo que ela tinha razão. Sinto falta daquele corpinho esguio, que dava medo que saísse voando a qualquer vento. Muitas de minhas amigas eram assim, magrinhas, mas garanto que saudáveis.

Parecia que os braços e pernas longos cresceram todos de sopetão, mas de forma irregular. “Como ela espichou”, diziam os mais velhos. Eu dava um sorriso amarelo. O pé então... já calçava praticamente o mesmo que hoje. Eu era, como chamavam minhas irmãs, uma letra L. Fina e com pés enormes.

Enquanto eu olhava para aquela minha figura, lembrei-me de algo pelo qual fiquei marcada: os bailinhos que vivia dando em casa. Depois da aula, combinava com a turma e todo mundo subia a rua junto. Alguns iam depois, mas sempre iam. E não tinha celular para ligar. Às vezes, nem telefone fixo. A gente ia gritar no portão mesmo. A pé. Como era bom.

Nesses bailinhos improvisados, dançávamos ao som do LP da novela Perigosas Peruas, tinha as mais dançantes e as lentas. Aliás, os meninos ameaçavam ir embora da festa se eu não colocasse músicas lentas. Então eu ia lá na vitrola do meu pai e deixava rolar “Spending my time”, do Roxette. A gente não parava uma. Os meninos ficavam meio tímidos no começo, mas depois começavam a nos chamar para a pista, ou melhor, o quintal. Elas não poderiam recusar sem um bom motivo, senão ficariam com raiva e dariam uma gelada na pobrezinha. Em uma dessas festas eu me propus a dançar com todos os meninos. Os que não me chamavam, eu mesma fiz as honras! Bons tempos em que a gente não tinha muita malícia... ficadas? Só para os mais saidinhos, que eram bem poucos. Nessas festas, não me lembro de ninguém ficando com ninguém. Depois surgiram uns casais, mas nada muito exposto. O momento do ápice era a dança lenta mesmo, o máximo de intimidade que a gente tinha.

Além dos bailinhos, costumávamos sair para dar umas voltas e comer alguma coisa. Lembro-me quando pegamos um ônibus e fomos ao Habib´s, na Lapa. Aquilo era luxo. Chegando lá, descobrimos que não serviam refrigerante (??), apenas sucos, que eram mais caros. Nossa grana era curta, mas todo mundo pediu uma esfiha e um suco. Depois de um tempo, conferimos nossos bolsos e deu para pedir mais uma rodada. Duas esfihas? Tava bom demais. Aquela mesa comprida, cheia de amigos conversando coisas que já tinham sido tão conversadas na escola. Do que a gente falava? Não sei. Acho que da nossa vida, nosso mundo, não escancarado na internet. Não tínhamos mural virtual, apenas aqueles caderninhos de recordações. Guardo o meu até hoje, com recadinhos dos meus amigos.

Nas férias, eu ia à casa deles ficar conversando no portão. Minha mãe dizia que eu deveria colaborar mais com os afazeres domésticos, mas nós, suas filhas, nunca fomos muito prendadas.

Enquanto eu olhava para minha versão 1993, ela apenas sorria, como se fosse holográfica... não precisava dizer nada, eu ia me lembrando de tudo. Reparei nas roupas. O modelito básico da época era shorts de cotton e camiseta. Eu usava uma camiseta lilás combinada com um shorts azul marinho e tênis branco!

E as paixões? Uma de minhas primeiras paixões foi um japonês na terceira série. Eu acho que ele também gostava de mim. E só isso bastava. Eu dizia que era meu namorado, mas ele não sabia... engraçado que o segundo japonês que me interessou é hoje meu marido. Estava escrito nas estrelas.

Mas na escola eu sempre me interessava por algum colega, principalmente depois da quinta série. Cada ano era um, levava até uns esculachos de grudenta que era: nunca soube disfarçar. Mas depois, todos reconheciam que era uma boa amiga! Era o suficiente. Para um deles fiz até um livro, minha primeira obra literária. Contava nossa vida juntos, casamento, filhos, até a morte. Morremos juntos, claro, o máximo do romantismo. Devo ter me inspirado em livros como “Amor de perdição”, que o professor Waldir fazia a gente ler. Esse garoto eu até pedi em namoro, mas ele quis um tempo para pensar e recusou, alegando gostar de outra... que coragem a minha. Minha amiga fez a mesma coisa com o menino que gostava, e também ganhou um “não”. Antes de mim. Que doces problemas...

Também lembro que o máximo de tecnologia que havia era aquele relógio que trocava as pulseiras, tinha de várias cores. A gente ia à biblioteca copiar livros em folhas de papel almaço. Não era nem possível sonhar com um mundo com Facebook. Éramos aquilo. E só.

Na porta da escola, vendia gelinho, mas minha mãe não deixava comprar, dizia que era feito de água suja! Mas uma vez combinamos de comprar e colocamos no armário da classe dentro de um isopor que alguém levou! Comemos no recreio!

Quando eu olho para aquela menina magrinha, que sempre estava nas festas, que levava as fitas gravadas para tocar e que queria ser reparada eu penso que tive uma adolescência normal e feliz.

Tudo mudou tanto... mas graças à internet (e às eleições, que nos levam de volta para a escola onde estudamos), podemos rever nossos colegas e saber o que estão fazendo da vida. Vinte anos é tanto tempo. Perdi muito da graciosidade que tinha, se é que tinha alguma. É clichê, mas os problemas endurecem a gente. Apesar disso, consigo identificar características que não se perderam no tempo, ainda bem! Eu mantive meu senso de responsabilidade e justiça, respeito pelos amigos e um prazer enorme em estar com eles.

Minha versão 1993 não veio para me deixar saudosista, mas para me fazer lembrar que “se chorei ou se sorri, o importante é que emoções eu vivi...”. É o que diria, cantando, a minha mãe.

domingo, 3 de março de 2013

A lagartixa que queria mais que uma parede

Transparente e simpática como toda lagartixa, eu nasci ali, no banheiro do jovem casal recém-juntado. Os azulejos cor de creme foram como berço para mim, eram tantos, por todos os lados. Eu achava que aquilo era o mundo todo. Eu tinha água à vontade que sobrava no chão do box e na pia, e a comida era das melhores: mosquitinhos de banheiro! Eu adoro. Eles não gostam de tomar banho, mas são uma delícia!

Aos poucos, fui percebendo que o mundo era maior do que aquele quadrado e acabei descobrindo uma área muito maior e interessante, além disso, poderia sempre voltar para o meu local de nascimento. Não tenho medo do desconhecido.

Foi então que descobri que estava em uma suíte desocupada. O casal reservou aquela área para hóspedes, mas não costumavam receber ninguém, e o quarto abrigou muita mobília que não cabia em outro lugar. Um ótimo local para morar! E fiz a mudança, mesmo sem ter nada para carregar.

As tábuas que sobraram da montagem dos móveis do casal foram jogadas lá e acumulavam aranhas, mosquitinhos e outros bichos: banquetes para mim! Muito melhor que os mosquitinhos de antes!

Minha nova cama era atrás dos instrumentos musicais do dono da casa. Vários cases de violões e guitarras, mais as mochilas de acessórios, faziam uma sombra maravilhosa para uma boa soneca ou para armar um bom bote.

Quando alguém acendia a luz ou mexia nos móveis, eu corria para trás das tábuas, mas nunca me senti ameaçada. Acho que aquelas histórias de terror que minhas amigas contavam sobre adultos nojentos e assassinos eram tudo invenção. Como alguém pode fazer mal para a gente? Somos são boazinhas e lindas... só atacamos bichinhos pequenos para comer.

A dona da pensão – é assim que eu me sentia na casa dela – conversava comigo de vez em quando, pelo menos eu acho que é isso que ela fazia, emitindo uns sons esquisitos que saiam de um buraco que ficava na parte de cima de seu corpo. Ela sempre olhava para mim, fazia uns barulhos e me deixava lá. Acho que queria saber se o serviço de quarto estava ok. Para mim estava sempre ótimo.

Quanto ao dono da casa, eu o vi algumas vezes, mas ele nem ligou para mim, acho que é daquele tipo distraído. Melhor assim, não precisei dedicar atenção e nem me preocupar com ele.

De vez em quando eu acompanhava a dona de casa no banho, o vapor me fazia bem, sentia-me em uma sauna! Só era preciso tomar cuidado para não ficar muito úmida e cair no cabelo dela, acho que ela morria de medo disso!

Eu gostava de minha casa, mas continuava crescendo, e meus olhos enxergavam cada vez mais longe. Minhas amigas preferiam a segurança do lar, mas eu sempre quis ver o mundo. Um dia, deixaram um pedaço de papel colorido aqui no meu quarto, em cima da mesa. Eu fiquei olhando para a imagem de uma menina de vestido vermelho com um bichinho azul peludo na mão. O que seria aquilo? Outra vez, minha amiga humana começou a tocar teclado. Isso eu sei o que é, afinal, estava no meu quarto! Eu adorei o som que saia daquilo. Eu queria ouvir mais. A qualquer hora.

Foi assim que descobri que o mundo é muito maior do que aquela suíte. Eu imaginava que havia muitas coisas legais fora desse canto. Mesmo que os donos da pensão trouxessem novidades de vez em quando, eu queria saber mais por conta própria.

E aí decidi deixar meu ninho, minha segurança, meus amigos humanos. Não vai ser fácil abandonar onde nasci, me criei, onde a comida era farta e não havia perigos. Mas eu preciso de mais, quero aprender mais.

Assim, estou me despedindo, não levarei nada (o que eu tenho?), apenas as lembranças da boa experiência que adquiri. Medo? Claro que sinto, mas ele não vai paralisar minhas patinhas. Pensei em deixar um bilhete para o casal, mas me lembrei de que não falo a língua humana, e tampouco sei escrever. Aliás, isso seria uma boa coisa para aprender quando sair daqui. Quem sabe não exista uma escola para lagartixas? Vai ser a primeira coisa que vou procurar...