sexta-feira, 20 de março de 2015

Presente


Metrô. O mais lotado que o universo já enfrentou em toda a sua existência.

Animais se espremem e alcançam o contato que tanto pedem quando estão sozinhos. Seios nas costas, bunda na barriga, cabelo na boca, carne na carne. País tropical. Troca de calor.

Não só de calor. Sinto hálitos, perfumes – vencidos ou não – e flatulências, claro. Tapo o nariz.

Gritos, risadas, súplicas e reclamações. Batucada no teto. Os cinco sentidos aguçados. Eu sinto gosto de gente. Quem deseja viver esse presente?

Gente sai, gente entra. Não desafoga a galera: o mundo inteiro mora além de Corinthians-Itaquera.

Dói o braço. Não dá para abaixar.

Dói a perna. Não dá para agachar.

Ai, esse rabo de cavalo na minha cara...

Não tem para onde fugir.

Aposto que esse japonês de olhos fechados e em pé aqui do lado está meditando.

Não consigo ler. Nem a finura do meu Kobo cabe entre mim e a outra quase mim que está na minha frente.

Reze, cante uma música, mas se deixou os fones de ouvido na bolsa, esqueça. Não há espaço para se movimentar.

Somos retângulos de Bis acomodados em uma caixa lacrada dentro de uma outra de papelão, empilhada junto de umas cem, dentro de um caminhão lotado. Mas somos bem menos gostosos.

Ai, esse rabo de cavalo na minha cara...

Lá fora, nos letreiros, passam todas as estações de todos os metrôs de todos os países de todos os planetas de todas as galáxias, mas não chega a minha.

Abrindo caminho entre o matagal do Parque dos Dinossauros, onde ninguém fala português, chego à porta. Quando ela se abre na minha estação, é como ver o pôr do sol de cima do Pão de Açúcar. Só sai um: obrigada, meu deus.

O cansaço é grande, não aguento andar. Mais de uma hora em pé e esmagada. O olha que nem era show do Paul McCartney... Sento em um dos bancos da própria estação.

Os trens passam... e eu penso que há milhares de pessoas em situações infinitamente piores do que a minha. Minha amiga perdeu o pai enquanto eu estava no metrô.

Mas também há milhares de pessoas estupendamente melhores. Meu pai estava deitado no sofá, com minha sobrinha de dez meses e dois gatos em volta enquanto eu estava na plataforma aguardando o estouro da boiada com a chegada do trem.

Respiro fundo. Fecho os olhos. Nossa, eu poderia dormir aqui sentada.

Penso nessas milhares de pessoas e no momento pelo qual passam, mas, na verdade, só preciso pensar em uma: na única que posso comandar e tem toda a autonomia para mudar qualquer coisa na minha vida e transformar a realidade.

Levanto e caminho para casa. Oba! Hoje é dia de pizza!

4 comentários:

Unknown disse...

É mesmo como você me falou outro dia Carol....viver em São Paulo não é fácil. Mas continua sendo a linda São Paulo, e quem sabe um dia tudo isso melhore :) beijoss

Carol Gonçalves disse...

São Paulo é difícil, mas mais difícil é deixá-la. Aproveite! Beijão!

Renato disse...

Bonito texto. Escreve mais.

Carol Gonçalves disse...

A ideia é essa, Renato! ;)
Valeu! Bjs